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segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Éden

Não vou mais chorar o povo estando cego,
Nem vou mais gritar o povo estando surdo,
Nesse grande éden sem maçã;
A voz mais baixa é da multidão,
Que é como um disparo de canhão com silenciador,
E um projétil de algodão que não causa dor.

Não sei se é a lei ou o interprete que a vela,
Nos telhados da favela,
A menina mais bela encontra uma bala perdida.
Bandida, bandida bala achada não mais perdida.
Que ao encontrar a vida salga o rosto de uma mãe.

O pára-brisa está sujo, moleque limpa,
Já está limpo o outro limpa,
Já está limpo um outro limpa.
O sinal está fechado e o transito parado,
O moleque da favela não quer mais jogar bola,
Já não anda mais em pé, de joelhos ou deitado.
E a sociedade pede esmola.

domingo, 5 de dezembro de 2010

O Círculo

Galiléia descoberta,
Seu raio nos guarda a vida. 
Entre o findar e o nascer do sol,
Ínfimo momento onde a morte lida.

No âmago um eixo pende a força que transporta,
Vezes mais longe que a sorte nos deseja.
São três os transportados, jovens sonhos desgarrados,
Arrancados quando ainda a vida flameja.

Arremates súbitos de uma existência veloz,
Dos meus amigos sempre algoz.
Trezentos e sessenta graus uniformes,
Onde encontrar o fim de uma perfeição atroz?

Saudade me deixa o peito cheio,
A falta é como um anel,
Como superar sua partida ao meio?
Como aceitar que o fim simplesmente veio?



*(aos meus amigos que se foram subitamente em acidentes automobilísticos)

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Circo e Tancá


De olhos fechados vejo,
Um picadeiro onde ensejo,
Solto meus versos no ar,
Sinto nas extremidades trepidar.

Como um colapso luminoso,
Navego bendito fruto silencioso,
Um orgasmo de idéias,
Olhando à margem as areias.

Não sei se é Aesir o guerreiro coração,
Lutando afoito defronte a vida,
Ouve ao longe uma canção.

Navegando num tancá a essência Vanir, então
Faz brotar à natureza contida,
Das marés e picadeiros, uma paixão.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Mulher

Citadino fio de navalha,
Rasga meu peito e entalha.
Faz um desenho abstrato.

Chuva retida na calha,
Tarda a cair, mas não falha.
Aguarda o chão seu contato.

Flor de pétala suave,
Voe livre e leve ave.
Sibile sua canção.

Costela, clamo-te Ave.
Me leve por fim em sua nave.
Me deixe à palma da mão.

sábado, 13 de novembro de 2010

Uma canção

Soava como nuvens no céu,
Aquele velho homem debaixo de seu chapéu,
Com um violão velho e aquele paletó,
Que quem olhava tinha dó.
Mas quem ouvia transgredia a sua triste vida.

Soava como um velho blues,
Não o azul do céu, mas dos olhos seus, azuis,
Como a mão deslizava simples sobre as linhas,
A música surda, muda, erva daninha.
Mas quem ouvia transgredia a sua triste vida.

Soava como um negro, escravo do Mississipi,
Não era normal nem anormal, só não havia escripte,
Na verdade não era aquele mesmo blues triste,
Nem sei se já ouvi algo parecido, nem sei se existe.
Mas quem ouviu transgrediu a sua triste vida.

Soava como sempre soou um coração carente,
Mais alto e claro que quente,
A música mais bela e menos ouvida,
Nunca antes assim interpretada, a música da vida.
E quem conseguiu ouvir, interpretou assim sua própria canção sofrida.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Meus Devaneios

Poder ser eu mesmo,
Andar descalço no asfalto quente,
Querer o que quer que seja meu,
Ser meu precário Orpheu.

Navegar no breu escuro,
Nos mares azuis de Netuno,
Ser Pierrot do tempo, lento,
Fazer atrasar Saturno.

Ser Loki das marés sábias,
Derreter minhas asas sob o sol ardente,
Saber que não sei, ser fiel ou ateu,
Ser meu e só meu.

Morrer de amor e nascer do ovo
Para poder morrer  de amor e amar o novo,
Viver de amor e morrer de fome,
Para poder morder o amor e amar o homem.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

À Primeira Vista


     Certa vez me perguntei se havia amor à primeira vista; e de fato, pude perceber que só existe amor à primeira vista; todo amor é amor desde que nasce, não é paixão que evolui, não é carinho que se acostuma nem mesmo carência que se supre com companhia alheia. Paixão será sempre paixão,  de forma explosiva e falível como uma bomba atômica que destrói tudo e deixa por algum tempo suas crateras que vão ser cobertas por outras; a paixão é como o vento que sopra forte mas que pára repentinamente sem sinal e sem motivos, é como fogo que se esvai com uma simples brisa, é lapsus carnis, é o agora e não o sempre. 
     Como pode se pensar que o amor já tenha sido paixão, quando o amor é eterno e terno e a paixão efêmera e devassa, quando do amor deriva-se a sinceridade e da paixão a corrupção; o amor é muito maior que a paixão, esta que é muito mais louca e volúvel enquanto o amor é sério e linear; dois extremos separados por uma uma linha tênue e desgastada pela banalização do dizer: __Eu te amo!
     Amar não é nada mais que o avesso da paixão, e ao mesmo tempo ter no peito toda a eufórica sensação de estar apaixonado todos os dias de sua vida pela mesma pessoa; é a mais insana das paixões que de tão risível chega a perder suas características, se torna doce, afável, simples, sincera; até chegar ao ponto de perder de vez sua maior singularidade, é quando revelasse eterna; e assim sendo, não é paixão, e sim amor, e na verdade sempre foi amor, nunca mudou, é atemporal. Então assim, posso afirmar sem nenhum pudor e de maneira indubitável que só existe amor à primeira vista. Mesmo quando não percebemos, mesmo quando pensamos que foi construído; se analisarmos bem não o construímos apenas descobrimos o que já estava escondido sob toda essa pluma e fantasiado de paixão num carnaval de emoções. 
     Então quando eu digo:
__ Eu te amo!
Estou dizendo:
__ Te amo, sempre amei e sempre vou te amar!

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Hidrocarbonetos

     Vinha andando de cabeça baixa pela rua adjacente à principal, pisando nas poças deixadas pela chuva de agora pouco, que o fizera ficar por mais de meia hora parado sob uma marquise; e ainda lá se encontra seus pensamentos, lá mesmo onde fora obrigado a ficar, onde foram, obrigados a ficar  parados até o termino da chuva que por ele duraria toda a vida, ao menos sua vida inteira.
     Enquanto a chuva caia, fora dos domínios da marquise, lá onde estavam era tudo perfeito, a luz, o ar, o barulho da chuva, e até mesmo o banho que havia tomado para chegar ao abrigo que tinha inundado sua meia de água e agora com o nervosismo também de suor, parecia-lhe perfeito, na verdade tudo, exatamente tudo naquele momento era perfeito para ele; a não ser o medo que lhe causava olhar para o seu lado esquerdo, seu corpo tremia todo, não se sabe se era o frio ou verdadeiramente o medo que sentia; seu corpo estava rígido, imóvel apesar de tremulo como vara verde, seus olhos fixos defronte à rua mas, sua mente não se desviava daqueles lindo emaranhados magenta, ou será cor de fogo? ou laranja claro? de certo não sei, mas eram lindos fios enrolados como se fossem de telefone.

__ Que tipo de mensagens é transmitida de fato, por entre aqueles fios.
__ Me viro? _ não viro.
__ Nossa, que difícil! __ Como posso me aproximar? 

__ Aqui embaixo só tem a gente, o que ela pensaria se eu chegasse diretamente nela?_ sairia correndo gritando tarado e me batendo com aquela bolsa enorme que carrega?
__ Agora sim!
__ Vou me apresentar e dizer que sou Químico, professor de uma instituição respeitada ainda por cima.
__ Quem sabe assim passaria um pouco de confiança para ela poder conversar comigo?
__ Quem sabe ela até gosta de Química?
__ Bom dia!
__ Droga, bom dia não, boa noite!
__ Meu Deus, como é difícil!
__ Ah, deixa pra lá!
     O coração batia como mil tambores e cada vez mais rápido e sem ritmo, parecia uma locomotiva desvairada; cada segundo que passava era um segundo a menos para se aproximar da moça, cada gota de chuva que vinha ao chão era uma gota a menos a cair para perpetuar a chuva.
__ Não, agora não, meu Deus!
__ De onde é quem vem esse cara com esse guarda-chuva?
__ Não, não pára!
__ Droga, não diga que você o conhece?
__ Meu Deus! ele parou bem diante dela, será que vai leva-la de mim, tira-la do meu amor?
__ Nossa ainda bem, achei que iam se beijar, mas foi só no rosto, deve ser de comprimento mesmo, tipo: __ Oi!_ Oi tudo bem!
__ Ufa! nada até agora.
__ Devem ser apenas amigos, ou ele igual a mim se encantou com tal beleza e já pretendia oferecer uma carona; que graças a Deus foi recusada. 
__ Tchau para você também!
__ Humm! Sai pra lá que ela é minha viu!
__ Ou de minha contemplação ao menos enquanto durar a chuva.
__ Não, não pára! 
__ Deus, só mais um pouquinho, só até encher as represas e acabar com a seca no Nordeste.
__ Não pára a chuva agora nã.......
    Mas antes de terminar sua conversa com Deus todo poderoso, a moça já saia deixando a proteção da marquise e se molhando com os poucos pingos d'água que ainda caiam, e pouco a pouco se afastando; enquanto ele pensava: 
__ Droga! por que eu não li o que estava escrito na sua camiseta antes?

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Interlocutor

__Escrevo, e venho escrevendo desde que me entendo por gente,
__Alma de poeta __ não, sei que sou apenas mais um pobre analfabeto.
__De certo, também sei que nada resta ao nosso nordeste carente,
__Que não a prosa, o verso e as 'mão' do servente no concreto.
__Senão latente à pele, um sentimento discreto.


__Vivo, e venho vivendo desde que me colocaram nesse mundo.
__Mais um sobrevivente __ sim, sei que sou apenas um pobre sonhador.
__Do amor, também sei que não resta muito por antes do sol se por profundo.
__No certo o que resta é fogo, paixão, ambição, fervor,
__Quem espera pela noite sempre aguarda seu despudor.


__Bebo, e venho bebendo desde que chegou por aqui a seca.
__Alcoólatra __ não, sei que bebo apenas para esquecer o tempo em que caia a chuva.
__Das terras, viúvas das árvores mortas e pecas,
__Antes de o sol ser eterno não bebia cachaça, mas sim o doce suco de uva.
__Agora é o que tem, desde então me cai como luva.


__Morro, e sei que vou morrer como todo mundo sabe que “solidão não cura com aspirina.”
__Consciente__ sim, sei que a vida é apenas uma viagem em um trem lotado e estranho,
__O estanho do céu de alguns dias, e a água não cai nessa terra, nem mesmo neblina.
__Antes da última paisagem, apanho eu mesmo em sonho,
__Tenho passagem de volta, vivo e morro risonho.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Prelúdio

Antes abrasador e aconchegante,
Molhando, mas não me afogava
Respirava, antes mesmo de ser errante,
Olhando, mas não enxergava.


Foi quando conheci no crânio o ataque da mão envolvente,
Segurando, nas entranhas me agarrava.
Pouco a pouco foi ao embate do circulo reluzente,
Dormindo, Vénus me afanava.


Trépido agora, afiançado à inanição veemente,
Procurando, do mundo o âmago não achava.
Agora sou 'gauche', antes nascituro inerente, 
Deitando, ao útero descansava.


Ao colo da genetriz principiante,
Sabendo, e crendo que me amava.  
Ao fim aceitei ser da vida amante,
Amando primeiro, Vénus-mãe que alimentava.

Flores



Flores são apenas flores, 
O que importa mesmo são as cores.
O amarelo sincero de quem lhe deseja o brilho do dia,
O vermelho do espelho da alma de quem te amaria,
O branco de espanto claro como a neve e leve como a pluma,
O verde, a esperança elevando nossas vidas a apenas uma,
Flores, é apenas paixão,
O que importa mesmo é a intenção.
De quem se entrega sem quer nada em troca,
De quem de quem as deixa as escuras em sua porta,
De quem nem sabe quem é esse alguém,
De quem se tornou do amor refém.
Flores são apenas flores,
O que importa mesmo são as cores.
Flores, é apenas paixão,
O que importa mesmo é a intenção.

Banzo

Onde olhar quando as planícies já não são mais tão planas?
E quanto à vida? Agora sou servo servindo ao servo e severo és meu senhor.
Vida vazia, vida inane, quanto posso suportara a falta que me faz tudo que tinha, ou o que não tinha? 
O que mais me faz falta não é o que tinha na verdade, e sim, o que não me era comum, o que eu não tinha, 
o que me faltava.
Antes não haviam correntes ao meu pescoço, não haviam grades a minha frente, nem paredes ao me redor;  antes, não existiam senhores, antes não me atribuíam o adjectivo de escravo e o mundo era negro e lindo.
Quando posso morrer para poder estar ao menos mais perto do que se chama de lar?
Preso, exilado, atormentado pelos fantasmas da glória que era-me atribuída quanto à guerreiro. 
Onde estavam os Reis, reais com suas realezas quando me levaram de casa?
Quem seria capaz de prever o que era necessário para sobreviver?